quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Mala


Um dia eu senti a angustia amargar mais que limão e maracujá enquanto eu a engolia.
Ficou presa na garganta, por muito tempo, todas as coisas que eu senti e o que pensei – que infelicidade – ficou preso no fundo do meu inconsciente.
Mas os dias se passaram, e as pontadas ficavam mais e mais fortes.

Então, enquanto eu arrumava as coisas eu tentava focar nas coisas novas que podiam estar me esperando – e era complicado, cada roupa posta na mala também recebeu alguns pingos vindo dos meus olhos, esmaecendo-se nas últimas esperanças.

Então, mala pronta. Hora de me despedir dos meus de sangue. Mais lágrimas enquanto eu repetia que aquilo era melhor pra mim, e que eles veriam em breve uma nova luz nos olhos meus.

Desisti de mim naquela hora. Por um momento me dei a liberdade de ser nova. A liberdade de ser quem eu quisesse naquela hora. Ser uma adolescente nova fugindo de casa. Alguém em busca de um destino jamais pensado. Atrás do novo – que sempre vem.

E não ousei ligar o celular, não. Na verdade eu o deixei em cima da cama - o chip que todo mundo costumava ligar para. Deixei em cima da cama o que poderia ligar meu passado ao meu novo futuro . Desliguei-me daquela realidade pra ir pra minha fantasia.

Os minutos naquele carro, enquanto eu tomava meu rumo pra rodoviária pareciam eternos. Eu batia os polegares, tremulava as pernas. O taxista olhava pra mim, curioso pela minha ansiedade – mas percebi que não se deu ao luxo de perguntar. Que pena, teria dito muita coisa para um estranho em vez de alguém conhecido. Não me abalou, na verdade lhe fui grata pelo serviço e pela delicadeza.

Com a mala na mão, fui rodando pela rodoviária, para o lugar onde eu esperaria meu embarque… então, de repente… eu vi algo que parecia ele. Corri o máximo que pude. Esse começo era meu direito. MEU E SOMENTE MEU.
Não deixaria você me amarrar novamente.

Então corri. Corri de medo. Corri de susto. Corri. Desesperada. Corri por direito. Olhava para as estruturas acinzentadas, tentando ter a certeza que meu sonho jamais morreria naquele lugar, e sim que seria bombardeado para frente.

Mais segura de mim e segura no lugar eu me sentei. Cansada pelo susto e pelos pensamentos, senti meu corpo cair como um peso morto naquela cadeira de plástico amarela. Amarelo nunca foi e nunca seria minha cor favorita – mas se adequava ao momento.

Tirei o bilhete do bolso. Blumenau. Cidade do sul. Interior. A calmaria que a cidade grande jamais me deu eu fiz a loucura de ter de qualquer forma. Já estava perto da hora. Admirava aquele pedaço de papel como eu admiraria meu diploma. Daqui uns seis meses eu teria que voltar, mesmo, não? Enfim, lembrava desse fato com meus botões. Então uma mão atravessou meu bilhete….

- O QUE FAZ AQUI, COM ESSA MALA?!?!
- Vou tirar férias – respondi tranquilamente.
- No sul? Você nunca gostou do sul!

Era um amigo em comum com ele. Colega pra mim seria a palavra e deslize seria o sentimento que eu tinha agora.

- Não gosto, mas preciso ver uma amiga lá.
- Com o tamanho dessa mala diria que estava indo embora… - falou enquanto tocava aquela mala preta.
- Um mês. Por isso a mala grande.
- Ah tá. Volta quando?

Disse um dia X. Passei o celular antigo – pois o mesmo disse que ia querer notícias. Enfim, escrevi o telefone dele, pois disse que estava sem bateria (o aparelho só estava desligado enquanto eu o segurava em mãos).


Então ele se foi tão rapidamente como apareceu. Meu sangue fervia loucamente enquanto eu tentava me acalmar. Logo o chamado para o embarque foi feito. Então como num ímpeto de desespero eu fui o mais rápido que pode. Queria que aquilo terminasse logo. Agora. Não tarde demais...